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O avanço da Mixofobia


Publicado: 25/02/2015

Por Marco Mondaini

O ataque terrorista de jihadistas islâmicos à sede do Charlie Hebdo, em Paris, no dia 7 de janeiro, reabriu o debate em torno dos limites do humor e da própria noção de liberdade de expressão, além de ter impulsionado as discussões em torno do avanço da intolerância e de movimentos políticos de extrema-direita que se utilizam do discurso do ódio e do preconceito a fim de fazer crescer o seu número de seguidores.

É claro que as duas questões acima encontram-se vinculadas à medida que, sob o manto da defesa da ideia de que a liberdade de expressão deve ser irrestrita e de que toda forma de humor se justifica pelo seu propósito exclusivo de fazer rir, vários grupos sociais continuam sendo estigmatizados, dando forma, assim, a uma situação ideal para a proliferação de discursos e práticas de natureza fascistizantes.

A minha ênfase, porém, no presente artigo, incidirá sobre o que considero ser o efeito mais nefasto das ações do dia 7 – isso, obviamente, sem desconsiderar a perda de vidas humanas no episódio. Falo, aqui, do fortalecimento daquilo que o sociólogo e filósofo polonês Zigmunt Bauman chamou de “mixofobia”, isto é, “a fobia de misturar-se com outras pessoas”. Uma fobia típica das cidades contemporâneas globalizadas, nas quais “os estrangeiros metem medo”.

Um fato que, muito provavelmente, fará crescer a força política de partidos e organizações de extrema direita como a Frente Nacional francesa, liderada atualmente por Marine Le Pen, com seu discurso xenofóbico de combate à imigração. Um discurso que se alastra até mesmo entre a classe trabalhadora europeia por meio da acusação de que os postos de trabalho declinantes desde a crise de 2008 são cada vez mais disputados pelos “invasores bárbaros” vindos do Norte da África.

Na verdade, as origens da atual onda neofascista no continente europeu confundem-se com a ascensão das políticas econômicas neoliberais, na virada dos anos 1970 aos anos 1980 – um contexto que permanece, em larga medida, ainda em vigor, beneficiando largamente os mercados financeiros.

Dentro desse contexto de grave crise social e econômica, com desemprego em larga escala, os imigrantes tornam-se o “bode expiatório” principal a ser responsabilizado pelas mazelas sociais existentes na Europa, tornando-se o “velho continente” um seguidor das soluções penais (ao invés de sociais) implementadas pelos Estados Unidos com vistas à administração da pobreza. Com isso, a Europa vem seguindo fielmente a cartilha estadunidense de criminalização dos imigrantes pobres.

Mutatis mutandis, um sentimento análogo de ódio e preconceito parece ter aflorado em terras brasileiras recentemente. Um sentimento que sempre existiu entre nós, mas que se mantinha encoberto pela ideologia que construiu a ideia de Brasil como um país misturado, muito bem resolvido no que diz respeito às diferenças existentes entre os seus habitantes.

Nada mais falso!

O discurso de ódio e preconceito social que vem subindo à tona com força nos últimos 10 anos expressa a existência de um país estruturalmente mixofóbico, que sempre tratou a maioria da sua população como “estrangeiros” (brasileiros pobres, negros e índios, homossexuais, com deficiência etc), mas que assiste à sua inclusão no campo da cidadania, ainda que com uma lentidão típica dos países capitalistas dependentes.

O que parece estar acontecendo no nosso país é uma aproximação em relação às formas mais abertas de preconceito social (e racial) existentes na Europa e Estados Unidos, ou, dizendo de outra maneira, a queda do manto de hipocrisia social responsável por tentar fazer do Brasil um “país das carochinhas”, um país sem as profundas fissuras sociais que o caracterizam desde os tempos coloniais.

Os exemplos são muitos, mas limito-me a citar o mais recente. Diante da “visão assustadora” de uma multidão de jovens pobres (negros na sua maioria) chegando às praias da rica Zona Sul do Rio de Janeiro num fim de semana de muito calor, uma conhecida colunista social carioca, irmã de um desaparecido do regime ditatorial de 1964, defendeu a necessidade de se dar uma basta a essa situação caótica, por meio de duas ações do poder público: 1) suspender a circulação das linhas de ônibus que fazem a ligação entre Zona Norte e Zona Sul da cidade; 2) passar a cobrar a entrada nas praias.

Ao que parece, ficaram para trás os velhos tempos em que a cultura liberal da tolerância servia de abrigo às consciências conservadoras mais envergonhadas.

Marco Antônio Mondaini é historiador, escritor e professor dos Programas de Pós-Graduação em Serviço Social e Comunicação da UFPE






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