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O Golpe e A Democracia no Xadrez Internacional


Publicado: 23/05/2016

André Kaysel*

Vamos ao tabuleiro e às últimas movimentações das peças. Nesta última semana, funcionários do governo dos EUA – como os porta-vozes do Departamento  de Estado  e da Casa Branca, bem como  o embaixador interino na Organização dos Estados Americanos (OEA), Michale Fitzpatrick – deram declarações afirmando a legalidade do processo de impeachment no Brasil e reafirmando a confiança na solidez das instituições democráticas brasileiras. Mesmo que Obama continue a evitar contatos mais diretos com Michel Temer e seu chanceler José Serra, as declarações de membros, ainda que de segundo escalão de seu staff, revelam claramente o apoio da Casa Branca aos golpistas instalados no Planalto, ainda que pautado pela cautela recomendável diante de um processo inconcluso.
 
O mesmo se pode dizer das declarações dos porta-vozes do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha e da própria Primeira-ministra, Angela Merkel, os quais negaram peremptoriamente que tenha ocorrido um golpe no Brasil, e expressaram confiança similar à de seus pares estado-unidenses nas instituições brasileiras. A postura de apoio distante da mandatária democrata-cristã ao novo governo brasileiro contrasta, porém, com a de seus parceiros de coalizão, os socialdemocratas, que criticaram o impeachment, ainda que não chegando a falar em golpe, e se solidarizaram com a presidenta Dilma Rousseff. Outras vozes da centro-esquerda europeia fizeram o mesmo. Ainda que Paris e Roma não tenham, aparentemente, se pronunciado oficialmente, representantes do Partido Socialista Francês e do Partido Democrático italiano, como o ex-primeiro-ministro Massimo Dallema, falaram em golpe e também expressaram apoio à mandatária afastada. A condenação mais dura, entretanto, veio da esquerda radical, como no caso da parlamentar do DieLink (Partido de Esquerda)alemão, que qualificou abertamente o afastamento de Dilma como golpe.
 
Do outro lado do cenário geopolítico europeu, a Rússia de Vladmir Putin, por meio da porta-voz do ministério das relações exteriores, expressou “preocupação” com os acontecimentos recentes do Brasil, dizendo esperar que tudo se resolvesse “dentro dos marcos constitucionais e da democracia” e sem a intervenção de países estrangeiros. Ainda que tenha evitado uma condenação explícita do golpe, o Kremlin tampouco reconheceu a legalidade do processo de destituição de Dilma ou reconheceu o novo governo, mandando ainda um recado implícito para Washington ao esgrimir o princípio da “não-intervenção” nos assuntos internos de outros países, o que, ao mesmo tempo, justifica sua própria postura. Cabe lembrar que veículos de imprensa russos próximos a Putin, como o portal “Russia Today”, têm dado uma cobertura crítica ao impeachment e ao governo Temer.
 
Deslocando a atenção mais para perto, para Nuestra América, também pode-se perceber alguns alinhamentos mais ou menos nítidos. Ainda que Mauricio Macri não tenha ainda telefonado diretamente a Temer, a Casa Rosada foi a primeira em reconhecer a nova situação que se apossou do Planalto. Por meio da chanceler Susana Malcorra, o governo argentino sustentou a legalidade do processo e ressaltou a importância das relações bilaterais com o país vizinho. Até  o momento, Buenos Aires tem sido o mais importante apoio internacional com o qual contam os golpistas brasileiros, não sendo pois por acaso que receberá, nos próximos dias, uma visita de José Serra. Sintomática foi a reação dogoverno paraguaio, o qual negou veementemente haver um golpe no Brasil, queixando-se de que os argumentos nessa direção foram os mesmos empregados quatro anos atrás para suspender o Paraguai do Mercosul após a destituição de Fernando Lugo, sendo que agora ninguém cogita o mesmo em relação ao Brasil. Ora, sendo fruto, ao lado de Honduras, de um dos casos pioneiros de “golpe suave” na região, não poderia ser outra a postura do status quode Assunção. Por fim, a Colômbia de Juan Manuel Santos, outro importante representante das direitas sul-americanas, manteve uma postura de maior distanciamento em relação a Temer. É provável que Bogotá ainda esteja especulando acerca dos possíveis efeitos da instabilidade política crescente no maior país da região, a qual poderia, inclusive, afetar seu promissor, mas frágil, processo de paz.

 Já entre os governos progressistas ou de esquerda, as reações foram todas, com graus variados de intensidade, no sentido da rejeição do impedimento da presidenta Dilma e o não-reconhecimento da nova situação. O Uruguai, por meio do Ministro das Relações Exteriores, Rodolfo Nín Novoa,  declarou que não reconhecia o novo governo, no que foi acompanhado por El Salvador, que chegou a retirar sua embaixadora, ainda que o presidente Sánchez Cerén tenha dito que não havia a intensão de romper imediatamente as relações com o Brasil. O mesmo gesto foi feito pelo governo da Venezuela, que também chamou de volta seu representante diplomático. Além disso o presidente  Nicolás Maduro, deu declarações bastante duras, qualificando claramente o impeachment como golpe. Curiosamente, a destituição de Dilma também foi criticada por um dos principais líderes da oposição venezuelana, o ex-candidato à presidência Enrique Capriles. As críticas de Capriles, representante da ala moderada do anti-chavismo, são compreensíveis, na medida em que ele contava com a mediação de Lula  para tentar encontrar uma saída negociada para a crise política do país.
 
Retornando aos governos do subcontinente, a acusação de golpe de Estado foi feita por Cuba e Nicarágua.  Neste último caso, o presidente Daniel Ortega enviou, em conjunto com sua companheira, Rosario Murillo, uma carta de solidariedade a Dilma e a Lula. A Bolívia, por meio do presidente Evo Morales também adotou um tom incisivo, qualificando  o impedimento como “golpe parlamentarista”. Já o Chile, ainda que de modo mais moderado, não deixou de expressar “preocupação” com a situação do Brasil, sendo que Michele Bachelet solidarizou-se explicitamente com a presidenta Rousseff.
 
No  âmbito das instituições multilaterais regionais, a recepção ao novo  mandatário tampouco foi muito favorável. Diante das provocações do chanceler do golpe, José Serra, o colombiano Ernesto Samper, Secretário-geral da União de Nações Sul-americanas (UNASUL), quem já havia criticado o processo de impedimento em curso  no Brasil, limitou-se a dizer que não discutiria “com interinos”. Mas mesmo uma entidade com um histórico atrelamento aos EUA, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), também adotou um tom crítico, por meio de seu Secretário-geral, o uruguaio Luis Almagro.
 
Em síntese, a posição dos golpistas no tabuleiro internacional não parece ser das mais confortáveis. No âmbito latino-americano, a fora seus aliados naturais – Macri e Cartez – foi recebido de modo negativo pela maior parte dos governos que tomaram posição, bem como pelas principais instituições multilaterais do continente. A seu favor, é verdade que os EUA e a Alemanha – centro hegemônico da União Europeia – expressaram, ainda que de modo cuidadoso e discreto, um apoio de fato ao novo stablishment. Porém, no caso Europeu,, as posições da centro-esquerda, a qual se encontra a frente dos governos francês e italiano, e partilhando o alemão com a centro-direita, deixam claro que a recepção de Temer é tudo menos calorosa. Aliás, a reunião de parlamentares europeus e latino-americanos – a Eurolat – expressou um claro rechaço ao processo de destituição de Dilma, mesmo entre parlamentares conservadores. O que não é de se estranhar, já que um político, sejam quais forem suas convicções ideológicas, não tem dificuldades de compreender o perigoso precedente representado pelo abuso casoístico de mecanismos de urgência para dar cobertura legal à destituição de um governante sem motivos que o justifiquem nos marcos do ordenamento constitucional.
 
Por fim, prestemos atenção à manifestação de um ator diplomático híbrido, meio estatal, meio societário: o Vaticano. Em recente encontro com representantes do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAN), o Papa Francisco, ao expressar preocupações com os conflitos políticos e sociais atravessados por países como Venezuela, Brasil, Bolívia e Argentina teria dito que “alguns países podem estar passando por um golpe branco”. É sabido como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se opôs ao processo de impeachment, o qual, é sempre bom lembrar, para além do apoio da mídia corporativa, da cúpula do judiciário e do empresariado, contou com uma decisiva e entusiasmada participação da bancada evangélica. A Igreja Católica certamente incomoda o fato de o presidente golpista ter recebido, logo após sua posse, criaturas como Silas Malafaia, ou Marcos Feliciano e provavelmente nada do que o ex-militante do laicato José Serra possa dizer ao Papa demoverá o pontífice de suas preocupações.
 
Se se fizesse um mapeamento das reações do que chamei em artigo anterior de “sociedade civil internacional”, levantando citações dos meios de comunicação, partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais e personalidades públicas, o cenário para nossos usurpadores possivelmente seria ainda pior. Para isso contribuíram de maneira importante tanto o caráter totalmente patriarcal e branco do atual ministério, como a enérgica reação de nossos artistas a extinção – já revogada – do Ministério da Cultura, com direito à protestos no Festival Internacional de Cinema de Cannes.
 
Nunca um governo brasileiro careceu tanto de reconhecimento externo como o atual. Estamos diante do paradoxo de uma elite pautada pelo mais submisso colonialismo mental que, entre surpresa e despeitada, depara-se com a rejeição daqueles que sempre idolatrou. Afinal, se os vizinhos latino-americanos sempre lhes inspiraram um desprezo típico dos que são arrogantes com os fracos, mas se humilham perante os fortes, o mesmo não se pode dizer da grande imprensa dos EUA ou da Europa, que em sua maioria divulgou versões negativas do impeachment e do governo que dele resultou. Contudo, trata-se de um paradoxo apenas aparente, na medida em que, para apear o PT do poder, o bloco conservador brasileiro teve que ferir os critérios de legitimidade internacionais adotados pelo consenso liberal-democrata ao qual, pelo  menos formalmente, adere. Cabe às forças democráticas e progressistas de nosso país potencializar ao máximo essas contradições do xadrez internacional. Nesse sentido, devemos acionar todas as redes de militância e todos os contatos diplomáticos dos quais eventualmente dispusermos para denunciar Temer e seu bando de salteadores, reforçando seu isolamento externo e aumentando na medida do possível os custos políticos daqueles governos que, dada a comunhão de interesses com a reação interna, estejam dispostos a prestar-lhes apoio. Dentro ou fora do país, nenhum minuto  de descanso aos golpistas!
 
*Professor de Ciência Política da Universidade Federal da Integração Latino-americana (UNILA)

 



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