SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS NO ESTADO DE PERNAMBUCO

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Quando as ruas mudam de cor


Publicado: 08/04/2015

Marco Mondaini*

As manifestações que tomaram conta do país no último 15 assinalam o retorno às ruas de um fantasma que parecia adormecido há 51 anos. Refiro-me, aqui, às marchas da família com Deus pela liberdade, que pavimentaram a estrada do golpe de Estado, responsável por jogar o Brasil numa ditadura civil-militar de triste memória, entre 1964 e 1985.

Não é meu propósito elencar os elementos em comum e as diferenças existentes entre as duas "marchas" ocorridas, com um intervalo de meio século, no mesmo mês de março, mas sim chamar atenção para o significado da mudança de cores das camisas, bandeiras e faixas das manifestações de 15 de março, quando comparadas com aquelas das inúmeras passeatas e comícios de massa ocorridos no país desde os comícios das Diretas, em 1984.

As grandes lutas travadas pelas liberdades civis e políticas e pela igualdade social (permitam-me dizer pelos direitos humanos) na história recente brasileira confundem-se com a predominância do vermelho nas ruas - o vermelho que, no longínquo século 19, tornou-se um dos maiores sinais de identidade das esquerdas em todas as partes do planeta.

Pois bem, contrastando com o vermelho predominante nas grandes lutas democráticas levadas a cabo no Brasil, no final do século 20 e início do século 21, vem ganhando progressivamente as ruas, desde as jornadas de junho de 2013, o verde-amarelo.

O verde-amarelo que, para além de colorir a nossa bandeira, impôs-se como símbolo do nacionalismo tupiniquim - símbolo este não raramente instrumentalizado para fins pouco democráticos à medida que procura velar os conflitos e dissensos existentes na sociedade em nome de uma suposta unidade -, que, caso confrontada por movimentos sociais e políticos contrastantes, deve ser defendida com recurso à força. O "Brasil: ame-o ou deixe-o" do período Médici, que, atualizado, vem se tornando frequente na fala de conservadores e reacionários mais exaltados, por meio de um "vá para Cuba! vá para a Venezuela!".

Sim, as ruas mudaram de cor. Desde junho de 2013, elas já tinham um novo colorido, não obstante o fato de imperar ainda uma cacofonia, uma multidão de vozes que expressavam demandas múltiplas. Em 15 de março, uma inflexão nítida fez-se sentir de maneira inequívoca. Uma nova conjuntura política parece ganhar forma, impulsionada por uma única voz expressa com algumas nuances, as quais, no fim das contas, reivindicam não o fim de um governo, mas sim a interrupção do processo de democratização que, lentamente, vem se afirmando no país desde o fim dos anos 1970.

Dito de outra maneira, no momento em que a defesa de uma intervenção militar (ou, na sua versão mais "moderada", o clamor pelo impeachment) ganha as ruas de todos os estados da federação, alimentada pela fantasia de que o país estaria em meio a uma escalada comunista, é a própria democracia brasileira que se encontra sob risco. Dentro desse contexto, as graves denúncias sobre o esquema de corrupção existente na Petrobras envolvendo partidos da base aliada do governo exercem o importante papel de justificativa para a ressurreição do discurso golpista.

Ora, no momento em que não são apenas os oficiais reformados do Clube Militar a falar em intervenção, não há como se negar a existência da crise ou creditá-la exclusivamente à manipulação dos meios de comunicação de massa e dos partidos de oposição.

Da crise, porém, pode-se abrir uma janela de oportunidade para o fortalecimento da democracia brasileira. Mas, para tanto, é preciso ousadia: dos setores progressistas da sociedade na defesa da legalidade; do governo federal, na implementação de um programa robusto de políticas sociais de natureza pública.

*Historiador e Professor da UFPE




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