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Junho de 2013 é parte de um movimento político e mostra disputa de ideias


Pesquisadores se reúnem para entender as chamadas "jornadas de junho". Pautas democráticas de esquerda em convívio com o avanço da extrema-direita em um momento de rupturas de velhas instituições

Publicado: 13/06/2018
Escrito por: Rede Brasil Atual




São Paulo - Junho de 2013 entrou para a história do Brasil como um momento de ebulição da insatisfação popular que eclodiu em uma série de manifestações. Milhões de pessoas tomaram as ruas de todo o país, não apenas nas capitais, em protestos com pautas difusas, sem ordem clara ou comando definido. Os resultados dessas mobilizações são os mais diferentes possíveis. Da ampliação do uso do espaço público e dos pedidos por maior efetividade da democracia, até a ascensão de movimentos fascistas que chegaram a derrubar uma presidente eleita sem o cumprimento dos critérios legais.

As contradições das chamadas "jornadas de junho" foram tema de um debate nesta segunda-feira (11) na livraria Tapera Taperá, região central de São Paulo. A ONG Artigo 19 divulgou estudo sobre um dos resultados mais cruéis das mobilizações: a ampliação da repressão do Estado contra a liberdade de protestos. Também na roda de conversas, o cientista político Rudá Ricci, autor de obras sobre o tema, e Daniela Haj Mussi, doutora em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

"Junho de 2013 fissurou a normalidade institucional, ele sincronizou insatisfações. Isso não significa que o processo confluiu para um programa concreto. Vivemos neste ano um processo similar com a greve dos caminhoneiros. Foram explosões de insatisfações sociais. Não podemos negar as contradições das ruas. Tudo que vem da rua é movimento político e, se é político, é campo de disputa", resumiu Daniela.

Ricci apresentou um panorama histórico que construiu o caldo necessário para a ebulição social de junho de 2013. "Vimos neste século, em todo o mundo, uma cultura anti-sistema. Um ideário que acabou possibilitando a argumentação de que junho pode ter aberto as portas para a extrema-direita que ai está. Mas, mais do que isso, o que junho faz é romper com todas as estruturas modernas dos séculos 19 e 20", disse.

"Tínhamos estruturas verticalizadas, em que todos os membros de organizações tinham seus espaços preenchidos e, de forma unificada, seguiam decisões. O que temos agora, são organizações lacunares, com buracos. As pessoas não se identificam mais com organizações, mas com os impactos delas. s organizações são mais afetivas e as pessoas são movidas por situações espetaculares que atingem não pela organização em si, mas em função do impacto que causou o chamamento. Quase sempre não vão as mobilizações em função a um chamamento. Ao contrário, vou porque alguém que conheço chamou. É mais afetivo, emocional do que racional", completou.

Para o pensador, essas rupturas influenciam negativamente nas antigas organizações de luta de classes. "Partidos, sindicatos. O Brasil tem um dos maiores índices de sindicalização do mundo. Mas agora há uma corrosão da legitimidade. As lideranças, desse sistema, não conseguem sobreviver por mais de dois anos. Talvez a última figura nacional estável com autoridade pública seja o Lula. De alguma maneira, junho inaugura essa fase de corrosão das instituições."

Direita e esquerda

Mesmo com o recrudescimento de uma extrema-direita barulhenta em âmbito nacional, seguindo passos de diferentes lugares do mundo, como a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, ou do partido de extrema-direita na Áustria, Ricci considera que a natureza das jornadas de junho no Brasil seja de esquerda. "2013 não foi um movimento de centro nem de direita. Foi uma mobilização social que colocou mais de 4 milhões de pessoas nas ruas. Um fenômeno fantástico que abalou completamente todos partidos e dirigentes. Foi surpreendente. Entrevistei muitas lideranças que organizavam, decidiam. Eram mobilizações bem estruturadas. Havia uma situação de comoção, um substrato emocional grande."

"O ethos era de esquerda. Em São Paulo, temos uma zona sul e uma zona leste que não é de extrema-direita. Pode ter traços conservadores em sua base, mas não. Mas, no centro da cidade e em regiões mais ricas, houve uma disputa com a extrema-direita. Mas isso foi concentrado em Brasília e São Paulo", acrescentou. "No restante, tivemos uma ideia de fortalecimento da democracia direta e da ocupação do espaço público. Ocupar o espaço para realizar o projeto de nação atomizado. São discursos importantes da esquerda no século 20. Havia uma pauta de democratização de políticas públicas, de atendimento mais universal. Lembremos que a direita defende que o Estado tem que diminuir sua ação na área social para que o mercado fique responsável. Mas os manifestantes sempre falavam de políticas públicas. Queriam saúde e educação."

Uma das questões, entretanto, foi a forte presença jovem como característica, que buscava uma luta contra o establishment político do país. E, na época, o Brasil estava há mais de uma década sob comando de um governo progressista, com maior pegada social, com o PT, o que acabou por dar força às correntes ultraconservadoras. "O PT era o governo da ordem. Quem tem 23, 25 anos, na sua adolescência, só foi governado pelo PT. Evidentemente que a juventude, na medida que tenta construir uma abertura na sociedade dos adultos, tendo um governo de mais de uma década, ele era o responsável pela minha não realização. Ainda mais um partido que fez alianças com todos os lados, com o interesse dado de manutenção do poder. 2013 foi a provisoriedade e a utopia no presente", concluiu.

Repressão 

A advogada Camila Marques, da Artigo 19, fez uma breve exposição sobre um estudo da ONG lançado ontem, que contempla a escalada da repressão estatal no Brasil depois daquele momento histórico. "Lançamos este infográfico que trás um pouco da nossa análise do que foi junho de 2013. Tivemos a missão de monitorar quais foram as respostas do Estado a junho de 2013. Temos em mente que a violência do Estado é elemento histórico do Brasil. Mas tivemos, de lá para cá, a consolidação de um aparato repressivo no sentido de sofisticar e aprimorar a criminalização", disse.

Para a especialista, houve "uma estratégia coordenada das três esferas de poder para criar um ambiente de criminalização" dos movimentos sociais. "Quando olhamos para o Legislativo, vemos cerca de 70 projetos de lei que visam restringir o direito e protesto. Além disso, vimos a Lei Antiterrorismo ser aprovada em apenas oito meses. Vimos as leis da Copa e das Olimpíadas. No Executivo, vimos um investimento muito maior no aparato repressivo. Passaram a introduzir outro tipos de armamentos como blindados israelenses, canhões sônicos. Vimos uma polícia cada vez mais aprimorada em seus instrumentos de vigilância. Dizemos que é impossível se manifestar sem ter um registro feito pela polícia, registro esse que não sabemos o que eles fazem depois", disse.

"Temos também uma Justiça que consolida todo esse processo. Tivemos o caso, por exemplo, do Rafael Braga, condenado sem sequer ser manifestante. Condenado por portar um pinho sol. Vimos a Roberta Pereira, manifestante com os seios à mostra condenada por ato obsceno que aguarda julgamento no STF. Igor Mendes, no Rio, ficou 26 meses detido. Vimos proibições de ocupações, interditos proibitórios. Vimos o Sérgio Silva, que teve uma decisão em que disse que o culpado por ter levado um tiro no olho foi culpa dele."

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