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Brasil: Política, Direito, Democracia e Religião


Publicado: 19/06/2015

Por Manoel Moraes Ribeiro Junior
Publicado na Caros Amigos 

O Brasil é um país que tem uma Carta Constitucional democrática e deliberativamente constituída. Também se tem uma corte constitucional reconstituída de modo que, em sua totalidade, seja possível a garantia tanto da existência de uma democracia que reconcilie a vida cidadã à governança da União quanto da submissão da segunda à primeira sob os princípio dos direitos fundamentais, da liberdade negativa, da soberania popular, da liberdade positiva, da solidariedade republicana, dos direitos sociais e públicos, enfim, da soberania indentitária num país jurídico, democrático e pluralmente organizado. Na dinâmica desta democracia há observância não só da pertinência semântica das leis para o desenvolvimento socioambiental, mas também do Controle de Constitucionalidade que procura garantir o processo democrático em toda a práxis legislativa, jurídica e executiva.

Republicanismo

No âmbito da sociedade civil, o Brasil tem uma dinâmica política adotada por muitos que ainda não entenderam a grandeza da luta pelo estabelecimento de um republicanismo democrático e deliberativo. As mentes mais ecoantes na mídia religiosa e empresarial ainda pautam mediocremente as suas discussões por meio do medo não-esclarecido e escatológico – sempre quando os interesses particulares de seus grupos não são atendidos. O medo da destruição do mundo por consequência da desobediência religiosa que fundamentavam o direito-divino das sociedades tradicionais (segundo o bom termo de Weber) ainda é marca na rotina política e jurídica brasileira. É preciso entender que o imaginário do brasileiro ainda tem fortes raízes nas culturas patrimoniais, aristocráticas, extrativistas, ancestrais e classista. Trazemos no nosso imaginário cultural modos de vida que não se rendem às responsabilidades sociais, fiscais, econômicos, políticos e culturais de uma maneira intercultura, intereconômica e democrático-republicana.

A democracia brasileira ganhou fundamentos mais duradouros com a promulgação da Constituição de 1988 e no mesmo contexto com a (re)criação do Supremo Tribunal Federal. Essa reconstitucionalização do Brasil foi tardia em vista ao que já se tinha conquistado na Alemanha (1949), Itália (1956), Portugal (1976) e por aí vai. O que implicou e no que implica esta neoconstitucionalização do Brasil? Implicou num avanço em três níveis: 1. Na reconstituição do Estado Federativo do Brasil que não poderia mais estabelecer no seu dia a dia, dinâmicas absolutistas de governo sem considerar a soberania popular multicultural; 2. O estabelecimento dos direitos fundamentais como elementar do ordenamento jurídico; 3. A criação, aperfeiçoamento e o cumprimento dos direitos sociais que visam o bem-estar público.

Para um filósofo alemão chamado Georg Wilhelm Friedrich Hegel, a organização social é composta de entes (imagens do espírito): pessoas, famílias, sociedade civil, estado e a história. A sua virtude como pensador político foi a de mostrar que a dinâmica social deveria ser pensada a partir de elementos constitutivos da agregação social e da sua dinâmica específica. A política deve ser pensada a partir da emancipação social de todos os indivíduos que, por suas vezes, deveriam reconhecer-se um ao outro sob o ponto de vista da solidariedade. Outro grande pensador, Karl Marx, avança mais ainda: a política e a economia deve avançar em direção dos problemas concretos buscando assim erradicar tudo o que faz agonizar a maioria dos seres humanos. Com Freud e Foucault a pitada é interessantíssima: aquilo que agoniza os homens está naquilo que oprime seus espíritos e suas liberdades. Adorno e Horkheimer não são menos interessantes: os valores políticos para a organização do Estado podem ser belíssimos e salvacionistas, podem também trazer as ideias mais plenas do Bem; mas as perversas fontes do totalitarismo só se revelarão quando a autodestruição social se iniciar.

Dinâmica Social

Avançando um pouco além de Kant e se distanciando bastante do atomismo civil e do absolutismo estatal de Locke e Hobbes, Hegel mostrou tipologicamente como indivíduo, sociedade civil e Estado mantêm relações complementares e suas dinâmicas só poderão ser possíveis e plenas quando elas se concatenam em relações contraditórias (dialéticas), mas não contrárias – consulte o modelo gráfico de Boécio para se compreender a lógica de Hegel. A diferença é marcante: os contrários se aniquilam, de destroem; os contraditórios se anulam complementarmente em processo necessário de superação de ambos. As diferenças religiosas, econômicas e sociais não podem produzir sangue e nem o desmantelamento do Brasil.

Com o pensamento neoconstitucional e filosófico do direito contemporâneo (Rawls, Habermas, Honneth, Reale...) se repensa a lógica da democracia e de sua dialética considerando um pouco além de Hegel e Marx, sobretudo onde as sociedades não são mais nacionais e sim pós-nacionais. Isso implicaria que é preciso compreender a complexidade da contraditoriedade na sociedade civil entendendo os aspectos dos direitos fundamentais e sociais para o aperfeiçoamento do ordenamento social sem que se sufoquem/extinguem as individualidades. O que isso significa na prática: viver democraticamente com a consciência de que o Brasil é formado de várias confissões, culturas, etnias... E que estas diferenças devem ser vistas como virtudes e não supercílios ao desenvolvimento social brasileiro.

Direito

Quais as contribuições desta reflexão para o Brasil? O Brasil é muito novo na militância e no ordenamento em favor de uma democracia fundamentada no direito justo. Na rotina política, se pensa a justiça na absolutez do Estado e na imposição de um sistema de valor específico: religião, ética etc. Estas militâncias ainda não são dignas de uma República Democrática composta por uma sociedade civil tão plural e requerente por justiça. Em fossos de crise no reconhecimento do outro, se luta com ferro, fogo e desesperadamente para que o outro seja igual ao requerente/observador – como parecem querer os novos evangélicos quando atacam outros grupos religiosos, como ocorreu com uma menina de 11 anos, atacada por evangélicos quando saía de um ritual do candomblé. Esta ingenuidade coloca em risco a democracia porque o outro requererá, com a mesma foça, o reconhecimento pleno de seus valores. Assim, é importante a audição terapêutica: é fundamental se ouvir o outro.

Uma democracia avança no reconhecimento e na contradição com o outro. A crise sempre é necessária para o aperfeiçoamento da dinâmica social. Mas, o sangramento do outro é dispensável. Pois aquele que quer sangrar o outro para a implementação absoluta de si, verá que ele mesmo está doente de si-mesmo.

A história lusófona do Brasil sempre foi sangrenta do ponto de vista religioso, cultural, étnico, político e econômico. Nosso País de fala portuguesa é filho das cruzadas e da expansão do mercantilismo europeu. Em nossos tempos, não precisamos mais expandir as tensões religiosas, políticas e econômicas do passado. Usando o melhor termo de Darcy Ribeiro, temos que reinventar um país multicultural, democrático e sempre a partir dos sonhos dos guarany, a saber: viver bem e com sabedoria numa terra sem males.

Manoel Moraes Ribeiro Junior é professor do programa de Ciências da Religião da UEPA





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