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Eduardo Cunha e seu rebanho


Publicado: 17/07/2015

Publicado no Brasil 247

Camilo Vannuchi 

A Câmara dos Deputados encerra nesta sexta-feira o primeiro semestre de atividade sob o comando de Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O cenário é de guerra, com ruínas por todos os lados. A efeméride, tudo indica, será celebrada com pompa pelo líder máximo da Casa, num dos raros pronunciamentos oficiais feitos por um presidente da Câmara em rede nacional. Instantes antes da novela, vai ter muita gente de olho na telinha, atenta ao discurso de Cunha. Ainda mais num momento como este, em que o mesmo deputado é acusado de achaque pelo consultor Júlio Camargo, um dos delatores da Lava Jato.

Até o Jornal Nacional abriu espaço para a denúncia na noite desta quinta-feira (16), algo surpreendente no principal telejornal do país. Talvez porque esteja em jogo uma quantia discreta, quase irrisória, de R$ 5 milhões, valor que teria sido exigido como propina pelo controverso autor do PL do Dia do Orgulho Hétero.

O deputado, uma espécie de Luís XIV do absolutismo parlamentar brasileiro, elegeu-se presidente da Câmara em 1º de fevereiro com a promessa de garantir um Legislativo forte. De certa forma, a promessa foi cumprida. O que Cunha não explicou direito, durante a campanha, é que um legislativo forte, pelo menos na sua curiosa interpretação, não implica necessariamente legisladores fortes. Ao contrário, o preço do legislativo forte de Cunha tem sido o atropelamento sistemático da autonomia e da dignidade dos próprios parlamentares, com o auxílio vergonhoso de deputados e deputadas dispostas a baixar a cabeça diante das manobras e dos desmandos do nobre soberano.

Não foi necessário mais do que seis meses para que parte significativa dos parlamentares concluísse sua metamorfose em ovelhas, discretas e obedientes, sempre a balir, sorridentes, sob o cajado de seu pastor (neste caso, um pastor de ovelhas mesmo, sem duplo sentido). Nada menos do que 260 cabeças integram o rebanho de Eduardo Cunha segundo os cálculos do próprio presidente, afirmou o delator da Lava Jato na quinta-feira.

Algumas ovelhas nem sequer se dão conta dos efeitos autofágicos de sua complacência com a recorrente supressão das minorias pelas maiorias orquestrada pelo pastor-mor da Câmara. Nesta semana, em mais uma vitória do mau senso, dezenas de deputados eleitos por partidos de baixa representação votaram a favor de um projeto de lei que desobriga os canais de TV de convidar para os debates eleitorais os candidatos dos partidos que tiverem menos de nove deputados federais eleitos. Hoje, a lei garante participação nos debates dos candidatos dos partidos que sejam representados por pelo menos um deputado federal. Na atual conjuntura, mais de uma dezena de partidos, de esquerda e de direita, seriam limados dos debates. São eles o PSOL, partido do candidato favorito às eleições municipais do Rio de Janeiro no ano que vem, Marcelo Freixo, o PV, o PEN, o PHS, o PMN, o PRP, o PRTB, o PSDC, o PSL, o PTC e o PTdoB. Se a regra estivesse em vigor no ano passado, estariam fora dos debates nacionais a candidata Luciana Genro e os candidatos Eduardo Jorge e Levy Fidelix.

Um grupo de deputados que se opõe às reinações de Cunha divulgou um documento no qual classifica os últimos meses como "um semestre de retrocessos". "Na atual conjuntura, evitar recuos já é um avanço", compartilhou outro dia um expoente do segundo escalão do governo Dilma. Nessa mesma toada, recebi por WhatsApp um resumo das peripécias recentes apoiadas pelo rebanho: "Shopping no Congresso, redução da maioridade penal, cristofobia, chantagem, ameaças, distritão, anistia de multas para planos de saúde, criminalização do aborto em casos de estupro, financiamento empresarial de campanha, barreira para novos partidos... O que Eduardo Cunha vai defender no pronunciamento em cadeia nacional?"

Faltou mencionar sua atuação em prol da terceirização na atividade fim, da revogação do estatuto do desarmamento, da implantação de um Estatuto da Família que não reconhece casais homoafetivos como núcleo familiar, do fechamento das galerias em dias de votações polêmicas, do uso da força e de gás de pimenta pela polícia legislativa...

Durante seu discurso, na noite desta sexta-feira, não quero saber de bagunça por perto. Não me convidem para nenhum tipo de apitaço, panelaço, buzinaço ou barulhaço. Quero ouvir o moço. E assumo o risco de me arrepender depois.

Camilo Vannuchi é jornalista, escritor, mestrando em Ciências da Comunicação (ECA-USP) e assessor parlamentar. E-mail: [email protected]



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