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SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS NO ESTADO DE PERNAMBUCO
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Publicado: 15/07/2015
Por Isac Santos
Ancorado na lista entre um dos países com maior desigualdade social do mundo, o Brasil tem procurado, ao longo de sua história, legitimar essa desigualdade, naturalizar a miséria. Na atualidade, essa legitimação vem se dando através do tão em voga discurso da meritocracia. Em um Brasil prestes a implantar a redução da maioridade penal - o que vai criminalizar uma juventude pobre e negra já tão abandonada pela Estado -, não causa estranheza defender a tese de que as pessoas “têm aquilo que merecem” ou “são fruto de seu próprio esforço”, como se existisse igualdade de oportunidades.
Dito de outra forma: ter privilégios no Brasil tornou-se algo normal, assim como é natural condenar pessoas que não alcançam altos postos na sociedade, sobretudo no mercado de trabalho. No livro A Ralé Brasileira - como é e como vive, Jessé Souza, doutor em Sociologia, procura mostrar como se dá a construção desse discurso, discurso que não só é reproduzido, mas legitimado pela mídia. “O indivíduo fracassado não é discriminado e humilhado cotidianamente como mero ‘azarado’, mas como alguém que, por preguiça, inépcia ou maldade, por ‘culpa’, portanto, ‘escolheu’ o fracasso”, diz o autor. Esse discurso justifica a não ascensão de alguém que “não se esforçou e, portanto, não merece” galgar e alcançar determinado posto.
Os defensores do mérito como requisito para as conquistas querem naturalizar o privilégio sob o argumento de que esse privilégio é resultado do esforço individual. “Nesse sentido, podemos falar que a ideologia principal do mundo moderno é a ‘meritocracia’, ou seja, a ilusão, ainda que seja uma ilusão bem fundamentada na propaganda e na indústria cultural, de que os privilégios modernos são ‘justos’”, acusa Jessé Souza, no livro A Ralé...
No início de junho, a ONU divulgou dados preocupantes sobre a situação da infância no mundo: mais de 160 milhões de crianças são ví- timas de trabalho infantil, muitas delas submetidas a trabalho análogo ao escravo. Aí eu pergunto: essas crianças têm condições de competir de igual para igual com outra a quem lhe foi garantido o pão de cada dia, que frequenta escola, tem casa para morar, família, lazer e que tem, principalmente, direito à viver sua infância? Em regra, pessoas que têm essa história de vida podem, em algum momento da sua trajetória, galgar algo tendo como parâmetro a meritocracia?
Essas crianças, assim como tantas outras que não têm direito à dignidade, são parte de um Brasil desumano, vingativo, egoísta. Muitas delas sequer têm acesso à escola. “Algumas vezes, ainda que alguns pais estimulem os filhos a irem à escola, os motivos dessa escolha são ‘cognitivos’, da ‘boca para fora’, posto que a maior parte desses pais também não foi à escola ou não teve nenhuma experiência pessoal de sucesso escolar”, afirma Jessé Souza.
Diante desse quadro, o que temos que fazer é parar com essa hipocrisia. A desigualdade social e o discurso dominante da legitimação e criminalização da pobreza precisam urgentemente ser extirpados da nossa sociedade. E isso só será possível com uma inversão radical de valores.
Isac Santos é diretor de Imprensa do Sindsep-PE