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SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS NO ESTADO DE PERNAMBUCO
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Publicado: 04/09/2025
O Brasil contava com cerca de 1.800 agentes ambientais federais em 2009. Em 2021, o número despencou para apenas 630 – uma redução de mais de 65% no efetivo de fiscais responsáveis por autuar, embargar, vistoriar e coibir crimes ambientais em todo o país. Em junho de 2025, o número subiu para 771 fiscais, mas segue distante da capacidade necessária.
As informações foram obtidas pelo Brasil de Fato por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e revelam um colapso na fiscalização ambiental, resultado de um processo de desmonte que se intensificou a partir de 2019.
A servidora Tânia Maria de Souza, presidenta da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional), avalia que o processo de desestruturação teve consequências profundas e duradouras.
Nesta quarta-feira (3), a Ascema protocolou, em Brasília, uma carta aberta elaborada em conjunto com as comissões de aprovados nos concursos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
Segundo o texto, o quadro atual de servidores ativos é “incompatível com a magnitude das atribuições legais do MMA e suas autarquias”. A carta cobra posicionamentos do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), do Ministério do Planejamento e da Presidência da República.
“Hoje vivemos com menos da metade dos servidores que existiam há dez anos. O governo tem disposição política para retomar, mas reconstrução se faz com pessoal, equipe técnica e presença nos territórios, não apenas com seminários ou reuniões.”, afirma Souza, em entrevista ao Brasil de Fato.
De acordo com o levantamento da Ascema, no Ibama, o déficit atual é de 50,9% para analistas ambientais e 82,6% para analistas administrativos. No ICMBio, apenas 1.506 servidores permanecem ativos – o que corresponde a 55% da estrutura legal prevista.
A iminente aposentadoria em massa dos servidores ambientais adiciona um elemento ainda mais urgente à crise. “A maioria dos nossos servidores já passou da idade para aposentar. Estão ficando por comprometimento com a causa ambiental”, relata a presidente da Ascema Nacional, destacando que o esvaziamento pode se agravar abruptamente.
A carta aberta protocolada alerta que mais de 50% do quadro de servidores do Ibama e do ICMBio já possui tempo de aposentadoria. “A cada ano, dezenas de trabalhadores deixam a administração pública sem reposição”, diz o documento.
Embora o encolhimento do quadro de fiscais não seja um fenômeno pontual, ele se aprofundou no governo de Jair Bolsonaro (2019–2022). O período foi marcado por perseguições a servidores, congelamento de concursos, cortes orçamentários e tentativas de militarização da estrutura ambiental.
Para Tânia Maria de Souza, a gestão Bolsonaro foi o cúmulo de um cenário de profunda fragilidade nos órgãos ambientais federais, mas há um ataque mais complexo, que envolve medidas legislativas, como, por exemplo o Projeto de Lei (PL) da Devastação, que descaracterizou o processo de licenciamento ambiental no Brasil. “O sistema inteiro está sendo atacado e desmontado”, pontua.
Ela relata que os servidores dos órgãos ambientais enfrentaram um ambiente de “assédio institucional” e enfatiza que a gestão anterior representou o ápice dessa crise, como uma amostra “clara sobre o que a gente está assistindo de desmonte ao longo desses anos todos”.
A expressão “passar a boiada”, utilizada pelo então ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, tornou-se símbolo da política de flexibilização e desregulamentação ambiental. Em abril de 2020, em reunião ministerial, Salles sugeriu que o governo aproveitasse a pandemia para promover mudanças infralegais. Na prática, a diretriz resultou na redução de fiscalizações e na retração da presença do Estado em regiões críticas, como a Amazônia Legal.
Agentes do Ibama durante operação de combate ao garimpo ilegal na terra indígena Sararé (MT) |
Foto: Julliane Pereira/Ascom Ibama
Enquanto a fiscalização recuava, os crimes ambientais se intensificaram. De acordo com dados do MapBiomas, mais de 90% do desmatamento no Brasil é ilegal. A área desmatada anualmente aumentou 56% durante o governo Bolsonaro, na comparação com os quatro anos anteriores.
Levantamento do MapBiomas aponta que 58% de toda a superfície minerada no país desde 1500 foi aberta entre 2015 e 2024. Dois terços dessa expansão ocorreu na Amazônia e o crescimento é impulsionado pelo garimpo ilegal, que dobrou na última década.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, tem reconhecido publicamente o tamanho do desafio imposto pelo desmonte. Em diversas ocasiões, ela destacou que a reconstrução da estrutura ambiental exige tempo, recursos e estabilidade institucional.
“Foram quatro anos de destruição. Não se recupera um país do dia para a noite. Estamos contratando novos servidores, reconstruindo sistemas, redesenhando políticas públicas. Mas é preciso reconhecer que o impacto foi brutal”, afirmou Marina, em entrevista ao jornal O Globo, em abril de 2024.
A perda de atratividade da carreira ambiental também ajuda a explicar a crise atual. “Era uma das dez carreiras mais bem pagas da Esplanada. Hoje, estamos lá na posição 60 e alguma coisa”, lamenta Souza.
Essa desvalorização progressiva transformou a profissão em uma “carreira de transição”, segundo ela, levando muitos servidores a migrar para outros órgãos ou setores com melhores condições salariais e estruturais. A alta rotatividade e a evasão de profissionais qualificados comprometem não apenas a continuidade das ações, mas o acúmulo de experiência técnica nos órgãos ambientais.
A estagnação dos concursos, somada à evasão de servidores, resulta em uma estrutura frágil, sem fôlego para enfrentar os desafios ambientais cada vez mais complexos. A sobrecarga causada por essa precarização estrutural tem impactos diretos sobre a saúde dos trabalhadores. “A primeira coisa que eu já falo é que impacta na saúde física e mental, tá? Estamos todos cansados, absurdamente cansados”, afirma.
Quando convidada a imaginar um cenário ideal para o fortalecimento da política ambiental no Brasil, a presidente da Ascema afirma que “o sonho é ver os órgãos ambientais fortes, respeitados, com servidores valorizados e em número suficiente para cobrir todo o território nacional”. Ela visualiza equipes numerosas e bem equipadas em todas as frentes — fiscalização, licenciamento, conservação, pesquisa — trabalhando com autonomia técnica e respaldo institucional, sem sofrer interferência política nem assédio institucional.
Neste horizonte desejado, as estruturas federais teriam orçamento garantido, concursos regulares e capacidade de formar quadros especializados para lidar com os desafios da emergência climática e da preservação ambiental. “A gente precisa de uma estrutura permanente, contínua, que não fique à mercê de governos que vêm e vão”, resumiu.
Tânia Maria de Souza acredita que esse futuro ainda é possível, mas depende de vontade política, planejamento e, sobretudo, da reconstrução urgente da capacidade estatal destruída nos últimos anos.
O Brasil de Fato questionou o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) sobre as dificuldades para a recomposição do quadro de servidores, mas, até o fechamento desta reportagem, os órgãos não haviam respondido.