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Choque neoliberal jamais levou países latino-americanos à “luz no fim do túnel”, como quer Milei


Leia sobre a história de governos na América Latina que chegaram ao poder prometendo ajustes dolorosos como desvio da rota ao abismo econômico e social, mas que apenas aceleram a chegada até ele

Publicado: 13/12/2023

Do GGN

A posse do presidente eleito da Argentina, Javier Milei, suscita reflexões a respeito da história de governos na América Latina que chegaram ao poder prometendo ajustes dolorosos, arrochos e interrupção de gastos sociais como desvio da rota ao abismo econômico e social, mas que apenas aceleram a chegada até ele, com aumento da desigualdade, pobreza e violência.     

Para a colunista de diversos veículos latino-americanos, Nathali Gómez, há mais de três décadas presidentes recém-empossados como Milei, em termos gerais, disseram a mesma coisa. Na sua primeira mensagem como presidente em exercício, Milei expressou que a dor será preferível à “sensibilidade do progressismo”.

A conta de Milei parece ser simples e de resultado óbvio: percorrer um caminho de trevas para os argentinos que, em suas palavras, levará a nação a uma situação que começará a melhorar até ver a “luz no fim do caminho”. A colunista listou exemplos na América Latina que mostram como o discurso de Milei tenderá ao fracasso. 

Terapia de choque: suas origens na América Latina

O fundador da agremiação de extrema-direita A Liberdade Avança afirmou que “não há alternativa possível ao ajustamento” e que “não há espaço para discussão entre ‘choque’ e gradualismo”, porque considera que “do ponto de vista empírico todos os programas gradualistas terminaram mal , enquanto todos os ‘choque’, exceto o de 1959 [durante o governo desenvolvimentista de Arturo Frondizi], foram bem sucedidos”.

Nathali Gómez lembra que o termo ‘terapia de choque’ é atribuído ao economista americano Jeffrey Sachs, arquiteto do plano para acabar com a hiperinflação na Bolívia em 1985. Porém, essa mesma prática já havia sido utilizada pelo monetarista americano Milton Friedman, no Chile, após o golpe de Estado que derrubou Salvador Allende, em 1973.

Segundo Friedman, “só uma crise – real ou percebida – dá origem a uma verdadeira mudança” e, quando isso ocorre, devem ser tomadas ações de forma rápida, repentina e irreversível para provocar reações psicológicas que “facilitariam o processo de ajustamento”, disse a jornalista canadense Naomi Klein coleta em seu livro ´A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo desastre´, que saiu no Brasil em 2008 pela editora Nova Fronteira.

No trabalho, publicado em 2007, Klein refere-se a vários casos no mundo e na região – entre os quais Argentina, Bolívia e Chile – de governos que tentaram deter a hiperinflação “com a aplicação de medidas corretas, duras e drásticas”.

O caso chileno

Entre os chamados casos modelo de aplicação da terapia de choque na América Latina está o Chile, conforme lista Klein citado no artigo de Nathali Gómez. No país sul-americano, o impacto gerado pelo “violento golpe de Estado de Pinochet” se misturou ao trauma causado pela hiperinflação aguda, escreve Klein.

Pinochet, afirma Klein, realizou “seus próprios tratamentos de choque, realizados pelas múltiplas unidades de tortura do regime”, que foram o terreno fértil para a vulnerabilidade psicológica da população.

O ex-presidente Jair Bolsonaro já tinha classificado as práticas econômicas de Pinochet como “bem sucedidas”, o que foi negado por vários analistas, incluindo o economista chileno Ricardo Ffrench-Davis, da Universidade do Chile.

Conforme Natahli Gómez explica, as reformas econômicas neoliberais dos militares têm um saldo “altamente negativo”, que foi acompanhado por “duas recessões graves, baixo investimento produtivo e elevado investimento especulativo”. 

O que resultou no aprofundamento da “desigualdade, o excesso de importações, a desindustrialização, a deterioração da educação e do investimento público na saúde” e causou “elevado desemprego”.

A situação argentina

Klein descreve o caso argentino como “paradigmático” e lembra que em 1983, após a dissolução da Junta Militar, foi eleito o presidente Raúl Alfonsín, ameaçado pela chamada “bomba da dívida”, cujo estopim foi aceso nos anos de ditadura, produto dos elevados gastos envolvidos na manutenção de um regime repressivo e que estabeleceu uma guerra interna.

A alarmante situação econômica que viveu Alfonsin só piorou durante os sucessivos anos da sua administração, em que a dívida e a estagnação andaram de mãos dadas.

Assim, ao chegar à Casa Rosada em 1989, Carlos Saúl Menem (1989-1999) prometeu “grande cirurgia sem anestesia” com o neoliberalismo segurando o bisturi.

Durante a sua administração, promoveu-se “a concentração, a centralização do capital e a estrangeirização da economia” e a intervenção estatal foi através “da libertação do mercado interno, do acesso ao capital transnacional e da privatização”, destaca publicação do Fundo de Cultura Económica (FCE) da Argentina citada por Nathali Gómez.

Estas medidas neoliberais tiveram o apoio dos investidores internacionais, de Washington e do Fundo Monetário Internacional (FMI), que as venderam ao resto do mundo como um exemplo a seguir.

O seu sucessor, Fernando de la Rúa (1999-2001), manteve a mesma linha e “recorreu repetidamente a solicitar grandes empréstimos internacionais ao FMI”, segundo o FCE, o que inevitavelmente levou à sua saída da Presidência após o chamado ‘corralito bancário’, em 2001. Este surto social, no contexto de uma grave crise multifatorial, estendeu-se até a chegada à Presidência de Néstor Kirchner, em 2003.

O "pacote" na Venezuela

Nathali Gómez, ainda com base no texto de Klein, lembra que o que aconteceu na Venezuela está localizado na mesma narrativa da aplicação de políticas neoliberais na região, com consequências trágicas que foram vistas quase imediatamente.

O recém-eleito presidente venezuelano Carlos Andrés Pérez propôs, em fevereiro de 1989, a necessidade de uma “mudança de rumo” e de uma “grande virada” que levasse o país aos braços do FMI, que já havia ditado a sua receita para aprovar ajuda de US$ 4,5 bilhões a pagar em três anos.

“Não haverá hesitação ou hesitação no caminho exigido pela construção da Venezuela moderna”, disse o CAP – como era conhecido o falecido ex-presidente – ao anunciar o chamado “pacote” que, como em outros países, incluía privatizações, liberação de preços e taxas de juros, aumento no custo dos serviços públicos e transporte público.

Apesar da resistência popular, o acordo com o FMI foi assinado no dia 1º de março e as manifestações continuaram até o dia 8 daquele mês. Embora este movimento popular espontâneo sem precedentes não tenha levado CAP a abandonar a Presidência naquela altura, foi descrito como o ponto de viragem para a sua saída e para o nascimento do chavismo.

Peru e outras experiências

Estas experiências na América Latina também foram replicadas em países como o Peru, onde Alberto Fujimori (1990-2000), que apesar da sua minoria parlamentar, também optou por acabar com os subsídios, liberalizar preços e privatizar empresas.

Nathali Gómez avalia que agora, 30 anos depois do boom neoliberal na região e das terapias de choque, através de golpes dolorosos que tiveram fortes respostas da população, o novo presidente argentino coloca sobre a mesa o ‘déjà vu’ de uma solução que considera bem sucedida, apesar do que a história mostra.



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