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Escola sem telas: retrocesso ou necessidade?


A nova lei da proibição dos celulares em ambientes escolares apenas estabelece parâmetros para que menores de idade não se tornem reféns das plataformas, preservando, assim, a dimensão humana da escola

Publicado: 25/02/2025
Escrito por: Le Monde Diplomatique

LE MONDE DIPLOMATIQUE

Sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, a lei nº 15.100/2025 tem suscitado acalorados debates no cenário educacional brasileiro. A legislação proíbe o uso de dispositivos eletrônicos portáteis pessoais no ambiente escolar, estendendo a restrição para além do período em sala de aula, incluindo recreios e intervalos. É sabido que a medida, embora polêmica, faz parte da compreensão de um arcabouço de evidências científicas que demonstram os impactos deletérios do uso imoderado de telas no desenvolvimento cognitivo e socioemocional de crianças e adolescentes. A exemplo, uma revisão sistemática de artigos científicos publicada pela conceituada revista JAMA Pediatrics, em 2023, demonstrou que esse tempo está associado a um aumento de distúrbios de atenção e de sono, bem como a um crescimento nas taxas de ansiedade e depressão.

Crédito: Alexandre Campbell

Dependência digital e desenvolvimento infanto-juvenil

De um lado, há quem desaprove a norma, classificando-a como desconectada das exigências de uma era tecnológico-informacional; por outro, há aqueles que defendem a restrição como essencial para a preservação da saúde mental e do rendimento acadêmico dos menores. Nesse contexto, é primordial considerar que o Brasil está entre os países com maior tempo médio de uso da internet, atingindo nove horas diárias, conforme levantamento da empresa Global Overview Report nos primeiros três meses de 2024. Esse fenômeno desenhou-se nitidamente durante a pandemia da Covid-19, na qual plataformas digitais tornaram-se cruciais para a manutenção das atividades laborais e acadêmicas, modificando substancialmente os padrões de socialização e de lazer das pessoas. Todavia, o regresso às interações presenciais assentou as transformações em decorrência desse período. Nos intervalos das aulas, em vez de conversas face a face, passou a figurar o comportamento digital: indivíduos mimetizados pelas sombras desse universo sensível em que a informação é profusa, mas a atenção é escassa.

Marshall McLuhan, no final da década de 1960, já profetizava sobre o recente paradigma da comunicação: “o meio é a mensagem”. As plataformas digitais, como o Instagram e o TikTok, exercem maior influência sobre os indivíduos e a sociedade do que o próprio conteúdo que estas veiculam. Para que ocorra essa influência, o design comportamental (ou design persuasivo) maximiza o engajamento, empregando recursos como notificações frequentes e algoritmos que priorizam conteúdos altamente estimulantes. Como consequência, as novas tecnologias passam a constituir extensões do homem, se projetando como próteses, uma vez que condicionam seus usuários à sua existência. Incidentes como a queda simultânea do WhatsApp, Facebook e Instagram, em 4 de outubro de 2021, ilustram a magnitude dessa dependência: milhões de pessoas vivenciavam uma condição de “amputação”.

Nesse panorama, é preciso considerar que o desenvolvimento cerebral progride gradualmente ao longo da infância, adolescência e início da idade adulta. Estudos de neuroimagem demonstram que a maturação completa do córtex pré-frontal – região responsável por funções como controle de impulsos, resolução de problemas, atenção e tomada de decisões – pode se estender até aproximadamente os 25 anos, chegando aos 30 em alguns casos. Nesse sentido, quando um cérebro em formação é incessantemente exposto a estímulos reforçados, onipresentes em plataformas digitais, os riscos de condicionamento comportamental e dependência tornam-se sensivelmente mais elevados.

A ilusão digital: o novo padrão de existência

No âmbito das redes sociais, pode-se destacar que a experiência genuína tende a ceder espaço a simulacros – simulações imperfeitas da realidade que potencializam comparações e conflitos identitários. Em consonância com as reflexões do sociólogo francês Jean Baudrillard, pode-se dizer que nessas plataformas os símbolos exercem maior influência que o próprio real. Os filtros, por exemplo, fornecem versões aperfeiçoadas dos usuários, eliminando marcas indesejáveis, como poros e espinhas. A popularização desses instrumentos aumenta a procura por cirurgias plásticas estéticas, já substancial no país, e se torna mais um fator de vulnerabilidade e bullying entre jovens, os maiores reféns da “plataformização da beleza”.

Nesse cenário, as ambições pessoais também se veem impactadas. Tornar-se “influenciador” sem um propósito sólido tem sido um anseio recorrente, evidenciando a força dos simulacros que alicerçam o ambiente virtual. Inserida na lógica do espetáculo descrita pelo sociólogo, também francês, Guy Debord, a valorização de cada indivíduo passa a ser determinada principalmente pela visibilidade que ele obtém nessas plataformas. Para tanto, os jovens adotam posturas de exposição permanente — uma “vida instagramável” —, corroborando a análise debordiana de que o reconhecimento público e a legitimação social derivam cada vez mais de aparições midiáticas, em detrimento de experiências genuinamente formativas.

A escola como espaço de mediação digital

Dessa forma, evidencia-se a insuspeitada preocupação com o uso intensivo de telas por crianças e adolescentes. A proibição de celulares em escolas justifica-se não apenas como um mecanismo para aprimorar a concentração e o aprendizado, mas também como uma medida preventiva para garantir que o tempo gasto com eles não afete ainda mais os jovens. Entretanto, a aplicação efetiva da lei deve vir acompanhada de mecanismos que minimizem os impactos associados a esses estímulos dopaminérgicos. Como estratégias, podem ser pensados programas de educação midiática, orientações para a autorregulação e conscientização a respeito do design persuasivo, bem como ações para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais.

Por fim, é relevante destacar que a decisão não demove dos educadores a possibilidade de empregar os recursos digitais como ferramentas pedagógicas, tampouco anula a importância de uma formação tecnológica para os estudantes. Ela apenas estabelece parâmetros para que menores de idade não se tornem reféns das plataformas, preservando, assim, a dimensão humana da escola. Em uma sociedade em que os estímulos são abundantes e a capacidade de concentração se torna cada vez mais deficiente, é fundamental que a utilização da tecnologia seja mediada de forma responsável e consciente, a fim de garantir que o processo educativo preserve sua dimensão emancipadora e que haja a segurança necessária para o pleno desenvolvimento das novas gerações.

Gisele de Medeiros Pissurno é especialista em Literatura, Artes e Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), professora do Colégio Ipiranga e criadora do curso de redação Prepara Enem.



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