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Nos cinco continentes, poder de reinvenção do capitalismo desafia luta contra megaprojetos de mineração e hidrelétricas


Representantes internacionais denunciam novas formas de espoliação promovidas sob o rótulo de transição energética

Publicado: 10/11/2025

O 4º Encontro Internacional de Atingidos por Barragens e Mudanças Climáticas ocorre em Belém (PA) - Foto: Anna Mathis/MAB

Do Brasil de Fato

A crise do neoliberalismo não gerou, como se esperava, o colapso do capitalismo. Pelo contrário, abriu espaço para novas formas de acumulação, repressão e dominação. A análise é do professor Carlos Vainer, do Brasil, e resume o tom da roda de conversa que reuniu representantes de cinco continentes em Belém, no Pará, durante o 4º Encontro Internacional de Atingidos por Barragens e Crise Climática.

Enquanto a transição energética é vendida como resposta inevitável à crise climática, povos do Sul Global denunciam que a simples substituição de uma matriz destrutiva por outra, igualmente violenta nos territórios, não pode ser solução, mesmo amparada por um discurso “verde”.

Em nome do combate ao aquecimento global, governos, corporações e instituições financeiras intensificam a instalação de megaprojetos – como barragens, usinas geotérmicas, minas e ‘monocultivos energéticos’ – que provocam deslocamentos forçados, destruição ambiental e perda de soberania.

Esse diagnóstico foi construído coletivamente na mesa “Situação dos Continentes”, realizada nesta sexta-feira (8) em Belém (Pará). De norte a sul, o padrão se repete: na Ásia, as grandes hidrelétricas e os créditos de carbono transformaram bens da natureza em ativos financeiros; na África, barragens desmobilizam comunidades inteiras, e a juventude se ergue contra governos que perpetuam regimes autoritários; na Europa, a retórica da descarbonização serve de escudo para práticas neocoloniais, enquanto se amplia a militarização e a precarização social; nas Américas, o extrativismo avança em territórios indígenas, e os Estados seguem submissos ao capital transnacional.

“Estamos diante de um novo período de lutas de classes, em escala global. O capitalismo segue sendo o mesmo, o que muda são suas formas de dominação”, reforçou Vainer, ao analisar os ciclos históricos de dominação imperialista. “As corporações atuam em várias escalas: local, nacional e global. Nossas resistências também precisam ser transescalares”, defendeu.

Ásia: “Transição energética” é novo nome para espoliação extrativista

Na Ásia, a chamada transição energética tem sido usada como justificativa para uma nova onda de pilhagem dos bens comuns, denunciou Hendro Sangkoyo, da Jatam (Rede em Defesa da Mineração), da Indonésia. Ele criticou o sistema global de créditos de carbono, classificando-o como um “negócio de compensação de danos” que permite que grandes poluidores sigam emitindo gases de efeito estufa, enquanto florestas do Sul Global são convertidas em ativos financeiros.

“Estamos apresentando um grande bolo para os criminosos ambientais. O que se oferece são projetos de hidroelétricas, manejo de resíduos e créditos florestais, e isso se vende como solução para o clima”, afirmou.

As barragens, nesse contexto, seguem sendo apontadas como “inimigo principal” por ativistas da Indonésia, Tailândia e Vietnã. Só entre 2013 e 2023, investimentos chineses em hidrelétricas no Sudeste Asiático somaram mais de US$ 1 bilhão, volume superior ao investimento conjunto de todos os governos da região no mesmo período.

A crescente militarização também preocupa: exércitos da Indonésia, Mianmar e Tailândia atuam conjuntamente na defesa dos grandes empreendimentos extrativos, promovendo repressão e silenciamento de comunidades.

“Vivemos hoje a ofensiva do extrativismo militarizado. Nossa resposta precisa ser a articulação internacional entre os povos”, concluiu Hendro.

África: juventude resiste à repressão e contesta modelo energético

Ao traçar um panorama da situação africana, Geoffrey Kamese, de Uganda. Ele destacou que o continente vive um paradoxo. De um lado, conflitos esquecidos pela mídia internacional e governos autoritários que resistem à renovação e do outro, uma juventude mobilizada e decidida a conquistar espaço político.

“As novas gerações estão se levantando. Elas são imparáveis e estão dizendo: basta! É hora de mudar o status quo”, afirmou. Kamese é coordenador do Free Your Mine Project, ligado à Associação Nacional de Saúde Comunitária e Ocupacional de Uganda.

Ele apontou a construção de grandes barragens como um dos principais vetores de violação de direitos no continente. Em países como Moçambique, Zimbábue, Uganda e Quênia, hidrelétricas seguem desalojando comunidades inteiras, sobretudo populações tradicionais, eliminando modos de vida sustentáveis e ampliando a pobreza.

“As comunidades são empobrecidas. Perdem tudo: suas terras, suas culturas, sua dignidade”, disse.

Além do deslocamento forçado, Kamese alertou para o crescente endividamento dos países africanos com instituições como o Banco Mundial e o governo chinês, agora para descomissionar as barragens que já se tornaram obsoletas.

“Construímos essas represas pensando que eram solução. Hoje temos que pedir empréstimos para desmontá-las”, afirmou, denunciando, também, o uso político da energia: “As linhas de transmissão passam por cima das aldeias, mas as comunidades seguem no escuro.”

“Não viemos às COPs como mendigos. Viemos exigir justiça. Fomos excluídos desse modelo e agora querem que paguemos por ele? Não aceitaremos”, concluiu.

Europa: entre o neocolonialismo verde e o avanço da extrema direita

Representando a Aliança contra a Pobreza Energética da Catalunha, a espanhola Irene González traçou um diagnóstico severo sobre o papel da Europa na atual reconfiguração do capitalismo global. Segundo ela, o continente tenta se reposicionar geopoliticamente entre os blocos liderados por Estados Unidos e China, apostando no discurso de liderança da transição energética. Mas essa transição, alertou, tem se sustentado sobre práticas neocoloniais e falsas soluções climáticas.

“Europa não tem minerais críticos. Para liderar a transição, precisa continuar explorando outros territórios. A fachada verde esconde uma base suja, ainda sustentada por combustíveis fósseis e novas formas de espoliação”, afirmou Irene, destacando o financiamento europeu de projetos de gás fóssil em países africanos. Ela também apontou a hipocrisia das políticas ambientais. Enquanto estimula a “economia verde”, a União Europeia assina tratados abusivos para garantir o acesso exclusivo a recursos estratégicos.

A ativista alertou para a instrumentalização das mudanças climáticas por grandes ONGs e para a crescente exclusão das comunidades afetadas dos espaços de decisão. “As grandes ONGs estão capturando o discurso climático e nos substituindo. Elas estão nas COPs. Nós, não”, criticou.

A crise social europeia, agravada pela guerra da Ucrânia e pela retirada de proteções sociais da pandemia, tem alimentado o crescimento da extrema direita. “O racismo e a divisão são usados como armas para impedir a articulação popular”, explicou.

Como contraponto, Irene exaltou as lutas por moradia e os movimentos que, apesar das dificuldades, seguem conquistando vitórias concretas. “Essas pequenas vitórias são o que nos dá força para seguir.”



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