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“O neoliberalismo precisa de um Estado de exceção porque ele não tem base popular”


O filósofo e cientista político Emir Sader, em entrevista ao programa Trilhas da Democracia, que estreou no último dia 25 de março na TVPE, analisa a conjuntura política nacional e internacional e fala sobre o enfraquecimento das esquerdas e a possibilidade de retomada do debate progressista no Brasil por meio da instalação de um governo paralelo

Publicado: 28/03/2019
Escrito por: Ascom Sindsep-PE

O avanço do neoliberalismo e da ultradireita no mundo, América Latina e Brasil foi uma das preocupações levantadas pelo sociólogo e cientista político brasileiro, Emir Sader, em entrevista ao programa Trilhas da Democracia, que estreou no último dia 25 de março na TVPE. Ao analisar a conjuntura política nacional e internacional, ele falou sobre o enfraquecimento das esquerdas e a possibilidade de retomada do debate progressista no Brasil por meio da instalação de um governo paralelo. O programa Trilhas da Democracia, que tem o apoio do Sindsep-PE, , irá promover debates semanais exibidos sempre na segunda-feira, às 21h15, com reapresentação aos domingos, às 19h, nos canais digitais 46.1 e 28.2, além de ficar disponível no canal do Youtube: Trilhas da Democracia. A seguir, alguns trechos da entrevista de Emir Sader. O programa pode ser assistido acessando o link https://www.youtube.com/watch?v=QGeoyabLxAc

RELAÇÃO ESTADO X MERCADO

Quando se esgotou o ciclo anterior ao período neoliberal, conhecido como desenvolvimentista, os defensores das ideias neoliberais passaram a ver o Estado como problema e não como uma solução para a sociedade. Essa emergência do neoliberalismo significou a criminalização do Estado. Passaram a atribuir ao Estado a ineficiência, tributação excessiva e corrupção, entre outros males. E passaram a pregar a ideia de Estado mínimo, que significa a centralidade do mercado. Estamos atravessando um período longo em que o neoliberalismo ainda está vigente no mundo e cada vez que um governo conservador neoliberal assume o poder, retoma a campanha de demonizar o Estado. Aconteceu na Argentina com o presidente Maurício Macri. No Brasil com o Michel Temer (PMDB) e agora com o Bolsonaro. A obsessão com a reforma da Previdência é um exemplo de como essa questão é atual. Eles repassam a ideia de que o déficit público é ocasionado pelos gastos com a Previdência e que se teria que aplicar um ajuste fiscal.

GOVERNOS NEOLIBERAIS E REFORMA DA PREVIDÊNCIA

Esses governos localizam nos gastos (investimentos) do Estado o desequilíbrio econômico da sociedade. Depois atribuem aos direitos dos trabalhadores a dificuldade de retomada da economia. Na Argentina, existe uma afirmação clássica que é a seguinte: “vivemos por cima de nossas possibilidades”. Agora, eles penalizam apenas os trabalhadores. Os demais continuam vivendo acima das possibilidades.

SOCIAL- DEMOCRACIA

Com o enfraquecimento da União Soviética e a perda de força dos partidos comunistas, a social-democracia se bandeou para o neoliberalismo e passou a fazer aliança com setores neoliberais. Na América Latina isso também aconteceu, por um lado, através de setores nacionalistas históricos como o Peronismo na Argentina, com o Partido Revolucionário Institucional mexicano, o Partido Socialista do Chile, os tucanos no Brasil e a Ação Democrática na Venezuela. Então passou a haver uma adesão generalizada dos setores tradicionalmente reformistas ao modelo neoliberal, que teve no Brasil como expressão mais clara o ex-presidente Fernando Henrique. Então eles se somaram ao consenso neoliberal. Por isso estão sendo massacrados na Europa porque aderiram à política de austeridade que está sendo imposta pelo Banco Central Alemão, pelo Banco Central Europeu. Salvo o caso de Portugal, tanto os conservadores quanto os sociais-democratas aderiram ao liberalismo. Então cada eleição é um pânico. Por causa do risco da ultradireita, que vem criticando as políticas neoliberais, tomar o poder.  França é um caso dramático. Antes, tudo se dava pela esquerda de maneira mais radical. Há mais de 20 anos a classe operária francesa, que era comunista ou social-democrata, vota na extrema direita.

O CASO PORTUGAL

Bom, foi um bom entendimento entre o partido socialista, que teve sensibilidade política, com o partido comunista e outros partidos de esquerda, formando um bloco de esquerda. Eles foram os únicos que perceberam, na Europa, que o neoliberalismo é antipopular e tira as suas bases eleitorais. Partidos como o Partido Trabalhista na Inglaterra e o os partidos socialistas franceses tiveram suas bases sociais capturadas pela extrema direita. O Trump ganhou nos EUA porque defendeu o tema do emprego que a social-democracia abandonou. A candidata Hillary Clinton não tocou no tema do emprego. Então, os votos decisivos ao Trump vieram dos eleitores do socialista Bernie  Sanders. Na Inglaterra, os setores trabalhistas se sentiram abandonados pela social-democracia e aceitaram o diagnóstico equivocado de que os imigrantes são os responsáveis pela perda do emprego.  

A ALTERNATIVA

Na década de 1990 a esquerda pregou no deserto. Parecia que não haveria volta atrás. A impressão é que o mundo caminhava, inexoravelmente, para o neoliberalismo. E isso também acontecia no Brasil. O consenso, os discursos, a ideia do pensamento único davam essa impressão. Nós fazíamos manifestações contra a privatização da Vale do Rio Doce, por exemplo, mas eram perdidas. Parecia que era um caminho irreversível. Surpreendentemente, vários países latino-americanos remaram contra a maré e conseguiram implantar governos progressistas. Hoje, a tendência universal é do neoliberalismo. O consenso internacional não parece que vai mudar a curto prazo. A Europa está destruindo o mais generoso sistema de bem-estar social, passando a recessão prolongada, e não muda de modelo com exceção de Portugal. Então dá a impressão de que não existe alternativa. Os neoliberais retomaram ao poder, mas não aprenderam com o sucesso dos governos populares. Voltam com o ajuste fiscal duro. Parece que eles só têm essa alternativa.

ESTADO POLICIAL

O neoliberalismo precisa de um Estado de exceção porque ele não tem base popular. Ele se desgasta imediatamente. Aconteceu com o Macri, com o Temer e acontecerá também com o Bolsonaro. Isso porque eles são a hegemonia do capital financeiro especulativo. Não tem lugar para o povo. Nem para a classe média. Então, ele necessita da blindagem do Estado para poder se perpetuar no tempo. O Macri caminha para uma derrota, a depender da unidade da oposição. O Henrique Meirelles, que representou a retomada do neoliberalismo no Brasil, teve 2% dos votos. O que está acontecendo agora com a participação dos militares e do Sérgio Moro no governo é o que podemos chamar de guerra híbrida. Ou seja, a criação de um regime de exceção por meio do qual o Judiciário persegue politicamente as forças de esquerda. É o que está acontecendo com a farsa da condenação do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.

LINHAS MESTRAS DO GOVERNO BOLSONARO

A situação esdruxula de que a elite, mesmo conhecendo quem é o Bolsonaro, apostou nele dá a impressão de que a prioridade é a de impedir que a esquerda volte a governar no Brasil. Mesmo apelando para alguém que eles sabiam ser corrupto e desqualificado. O governo está montado tendo como o seu coração a política neoliberal. Quando Bolsonaro quis ganhar o apoio do empresariado, ele foi procurar um ultraneoliberal (Paulo Guedes). E, por outro lado, um projeto de Estado policial do Sérgio Moro e com a ocupação dos militares de grande parte dos ministérios de importância. O eixo está dado. Bolsonaro continue ou não como presidente, a estrutura do governo é essa: neoliberalismo com blindagem do Estado, um estado de exceção com a institucionalização de mecanismos que impeçam que a esquerda volte a governar.

JUNHO DE 2013

O Brasil foi pioneiro no golpe militar de 1964 pela importância do país, mas também pelo enfraquecimento das esquerdas. Agora o Brasil foi o projeto piloto de outro tipo de golpe na América Latina. Mas dessa vez, devido à força que a esquerda detinha.  O processo de guerra híbrida tem início com as revoluções coloridas. Uma espécie de explosão liberal contra o Estado e a política. Aqui essa espécie de ‘revolução’ ganhou as cores da bandeira brasileira. O movimento de 2013 começou com uma reivindicação concreta.  Mas depois foi encampado pela direita que percebeu que tinha ali um potencial de desqualificação do Estado e da política. Claro que esse movimento tinha lemas que facilitaram o aproveitamento por parte da direita. A ideia de que ‘o gigante acordou’ dava a entender que nada de importante teria acontecido no Brasil nos últimos anos. O ‘contra tudo isso que está aí’ levava a população a se colocar contra o governo do PT. Então esses lemas favoreceram essa manipulação. Basta dizer que, no mundo, a imagem do Lula era extraordinariamente positiva. Ele era mais conhecido que o Pelé. Aí começaram a tingir a sua imagem com a ideia de corrupção. Também surgiram as investigações junto a Petrobras. Aí a imagem do Brasil, da Petrobras e do PT mudou em escala mundial. A direita então resolveu procurar um candidato da antipolítica. Tentaram o ex-juiz Joaquim Barbosa e o apresentador de TV Luciano Huck. Quando não conseguiram, procuraram a farsa da candidatura do Bolsonaro. Então essa virada começou em 2013 sim. E ela foi simultânea ao momento do governo em que a ex-presidente Dilma Roussef tentou baixar as taxas de juros para deixar de atrair capitais especulativos. Foi aí que o empresariado se virou contra ela. Em 2014, havia uma situação significativa em que todo o grande empresariado estava contra a Dilma, mesmo ela sendo favorita nas pesquisas. Dividiram-se entre Aécio Neves e Marina Silva.

GOVERNO PARALELO

A disputa fundamental é uma disputa de agenda. Temos uma agenda de desenvolvimentismo nacional. Enquanto a agenda deles é de entrega do Brasil e de Estado policial. Acho que precisamos repolitizar o enfrentamento para recolocarmos as alternativas da esquerda. Precisamos mostrar que tipo de política econômica e social defendemos. Um governo paralelo poderia levar essa agenda à frente. Hoje, as fundações dos partidos de esquerda se uniram e estão fazendo um observatório crítico do governo, o que pode ser um embrião do governo alternativo. Isso porque não basta apenas fazer o acompanhamento e a crítica. É preciso que se apontem alternativas de esquerda, reunindo nomes de grandes especialistas de cada área.

LULA

Lula é a única liderança brasileira que chega a todos os setores populares do país. Basta dizer que mesmo condenado, desqualificado e proibido de falar ele teria ganho as últimas eleições no primeiro turno, o que é um patrimônio que a esquerda não pode deixar de lado. Lula personifica uma agenda completamente antagônica a tudo o que esse governo está fazendo. É uma contraposição de políticas que a direita não aguenta. Então, por acusações absolutamente sem justificativa, ele foi condenado e preso. Mas a luta democrática passa por fazer com que o Poder Judiciário assuma minimamente a sua função. O STF, até hoje, não julgou o mérito dos processos do Lula que são sem justificativa. Talvez um dos maiores absurdos do STF seja considerar o Moro isento para julgar o Lula. Entre tantas provas ao contrário, o Moro se refere ao Lula com a palavra “nine”, que significa nove dedos em inglês. Quer dizer: não há nada mais discriminatório que se referir ao Lula dessa forma. Então, se não houver uma revisão das arbitrariedades cometidas não vai mais existir democracia no Brasil. Não vai mais existir um Judiciário. A antiga afirmação do Ruy Barbosa é dura: a pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer.

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