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SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS NO ESTADO DE PERNAMBUCO
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Publicado: 27/02/2025
Escrito por: Le Monde Diplomatique
O Presidente dos EUA, Donald J. Trump, em 12 de fevereiro de 2025, tornou pública uma conversa telefônica com o Presidente russo Vladimir Putin. O que em muitos momentos históricos poderia ser visto como uma fala esperada, afinal de contas era o primeiro mês de Trump no seu segundo mandato na Casa Branca. Porém, o cenário de 2025 torna essa aproximação bastante espantosa e preocupante para quem acompanha os movimentos estadunidenses desde fevereiro de 2022, quando Putin determinou que suas tropas invadissem a Ucrânia.
Para jogar mais lenha na fogueira, o Presidente dos EUA declarou que um acordo para o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia seria celebrado, sem a presença da Ucrânia e da União Europeia, e as negociações começaram a acontecer, vindo com a cobrança por todos os investimentos que os EUA fizeram na defesa da Ucrânia. Não foi difícil encontrar analistas que ficaram perplexos, custando a acreditar que as peças desse jogo de xadrez se moviam agora de forma totalmente caótica, se o jogo fosse pensado pela lógica dos Estados envolvidos. O ponto é que há muito tempo não são os Estados que ditam a lógica das relações internacionais. Mas o que (ou quem) a determina? Existe uma lógica?
Antes de mais nada, sempre costumo me lembrar de uma frase que ouvia de meu professor de Direito Penal, na época da graduação na Faculdade de Direito: “Ali, o mais bobo conserta relógio debaixo d’água com luva de boxe”. Professor Marcelo Fortes Barbosa, lá nos idos de 1993, queria nos ensinar a nunca subestimar a inteligência de ninguém.
Partindo desse ponto, não há insanidade sendo feita. Há planejamento. E é dessa forma que deve ser visto. Além disso, o governo dos EUA foi eleito, não se pode afastar isso, e assim deve ser tratado. O melhor, portanto, é descobrir os motivos que o levam a agir dessa forma. Para tanto, vale um contexto.
Em 18 de fevereiro de 2025, o Vice-Presidente dos EUA fez uma participação na Conferência de Segurança de Munique, na Alemanha, tradicional evento que se ocupa dos desafios globais na área. Olhar seu discurso pode ser muito esclarecedor. Todo ele merece ser lido, aqui, destaco três passagens: (i) foco no judiciário; (ii) tema da migração; e (iii) a regulação das redes sociais.
Com relação ao judiciário, ele fez alusão a um triste caso ocorrido na Suécia em que um ativista cristão acaba por ser condenado por queimar o Corão e, na sentença, o judiciário deixa claro que há limites à liberdade de expressão. O Vice-Presidente liga essa condenação à morte do amigo do condenado, o iraquiano Salwan Momika, morto em um tiroteio no final de janeiro de 2025. No direito não se fazem ligações dessa forma, há que se investigar e, de fato, a liberdade de expressão e muitos outros direitos fundamentais possuem limites. O ataque ao judiciário é esperado e, por isso, a defesa dele deve ser bem trabalhada.
Algo parecido ocorre com a migração. Foi em Munique, e apareceu na abertura da fala de J.D. Vance, que ocorreu um atentado contra pedestres perpetrado por um solicitante de refúgio que atropelou 38 pessoas.
Pode-se dizer que um prato cheio tinha sido servido ao palestrante, pois tudo estava fresco na memória de quem o ouvia.
O ponto alto, porém, foi a alusão à regulação das redes sociais, as palavras são as seguintes:
“Olho para Bruxelas, ‘onde os comissários da UE alertam os cidadãos de que pretendem fechar as mídias sociais durante períodos de distúrbios civis no momento em que detectarem o que julgam ser, entre aspas, ‘conteúdo odioso’.
Ou para este mesmo país, onde a polícia realizou batidas contra cidadãos suspeitos de publicar comentários antifeministas on-line como parte do ‘combate à misoginia na Internet, um dia de ação”.
Ora, o foco é a regulação das mídias sociais. Claramente. Não é novidade que a União Europeia tem um conjunto normativo para as redes sociais e para inteligência artificial que é referência mundial, o que pode estar incomodando.
Se os pontos forem unidos, ou seja, se forem juntadas a pressão para a conclusão da guerra prejudicando a Europa com a fala sobre regulação das redes, tem-se que talvez o objetivo não seja o fim da guerra, mas o fim das diretrizes europeias sobre esses temas. Sem falar da diminuição de financiamento da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que é fundamental para a segurança da Europa. Em outras palavras, tudo poderá voltar ao que era a normalidade no campo das relações internacionais, se a alteração das normas europeias for colocada na mesa de debates.
A Europa talvez tenha que decidir o que faz mais sentido para ela, continuar a regular ou ter o apoio na guerra. De toda forma, entender os objetivos de todos os interlocutores é fundamental. E não é segredo para ninguém que o atual governo dos EUA é apoiado pelas empresas que sofrem as consequências das normas europeias na área.
Mas aí, poder-se-ia perguntar: e o judiciário e a migração? Qual é a relação deles com a guerra, com as redes sociais, e com a inteligência artificial? Bem, talvez, quem esteja fazendo esse caminho tenha aprendido algo com os russos, que também se beneficiam de regulação frouxa das redes sociais. A ficção (muito realista, aliás) de Giuliano da Empoli (O Mago do Kremlin, Trad. Julia da Rosa Simões. Ed. Vestígio, 2022), traz seguinte passagem:
“Como você faz quando quer partir um arame? Você o torce para um lado, depois para o outro. É o que faremos, Evgueni. À medida que for construindo sua rede, você se dará conta de que há temas aos quais as pessoas se apegam mais que tudo. Não sei quais. Os cliques dirão.”
Parece que os cliques já disseram, judiciário e migração são temas que chamam a atenção, especialmente se ligados à religião e a ataques à população civil. Haverá força para manter a regulação de pé? É o que será visto nos próximos meses. Entender as atitudes americanas passa por entender as empresas que apoiam o governo. Não é de hoje que há notícias dizendo que há empresas mais poderosas que Estados, com patrimônio maior que o produto interno bruto (PIB) de muitos países. O que acontecia em países menores parece que está a acontecer nos EUA agora.
O que se pode aprender até aqui é que haverá muita cortina de fumaça, desvio de foco e afastamento do padrão das relações internacionais conhecido até agora. Há que se prestar muita atenção a detalhes.
De fato, a atuação do novo governo dos Estados Unidos pode ter deixado a Europa em apuros no curto prazo, mas parece ter deixado atordoadas as instituições internas americanas, que enfrentam uma pior situação. Como diz Valdir Assef Júnior, as estruturas de Estado dos EUA estão passando por um teste de stress, no curto prazo, parecem mais perdidas que o exército francês, em 1940. E por falar nesse período, é bem emblemático que os fatos citados fazem referências a combate a migração, ataques ao judiciário e sejam retratados em Munique, onde aconteceu o acordo de 1938 sobre o futuro dos Sudetos da Tchecoslováquia, sem a presença dessa. A história não deu desfecho feliz a Chamberlain, que seja um ponto a considerar pelos europeus.
Luís Renato Vedovato é Professor Associado da UNICAMP e Professor de Direito Internacional na PUC de Campinas.