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“É evidente que um mundo mais justo e igualitário é possível”


Entrevista com RUDÁ RICCI Cientista político

Publicado: 16/01/2024



 

Atualmente, o mundo vive um período em que o pensamento reacionário e a extrema-direita voltaram a avançar em diversos países. Por outro lado, aumentam os conflitos no mundo. Grande parte das nações está dividida entre pessoas de pensamento progressista e pessoas com ideais conservadores.

Temos uma guerra entre a Ucrânia e a Rússia e o genocídio praticado pelos israelenses sionistas contra os palestinos. Paralelamente estamos vivenciando um capitalismo cada vez mais predador, em diversos países do mundo, com a retirada de diversos direitos conquistados pelos trabalhadores e o achatamento de seus salários.

A devastação do meio ambiente afeta diretamente a qualidade de vida de toda a população mundial. Estamos tendo estações climáticas com extremos onde os verões estão cada vez mais quentes e os invernos mais frios. As chuvas estão completamente irregulares. A população mundial cresce e o meio ambiente sofre as consequências desse crescimento com mais lixo e ataques a camada de ozônio, além dos agrotóxicos, mineração, queimadas e derrubadas de árvores.

Mas será que existe a possibilidade do ser humano reverter toda essa situação?  Ou chegaremos em um ponto de degradação em que será impossível a vida na terra? A humanidade está em uma jornada de evolução natural e conseguirá se perpetuar como uma espécie mais equilibrada, consciente e justa ou estamos caminhando para o aumento da desigualdade e para a extinção do ser humano?

Para falar sobre esses assuntos, o Sindsep-PE Pernambuco entrevistou o cientista político e doutor em ciências sociais Rudá Ricci.

 

A DIREITA, A EXTREMA DIREITA E O SEU AVANÇO
Eu acho que o primeiro esclarecimento que a gente tem que fazer é que há uma diferença entre pensamento de direita, conservador e de extrema direita. Eu imagino que o que a gente está focando aqui é a extrema direita, mas eu vou aproveitar e explicar um pouco.

O que é a direita? A direita é uma forma de pensamento histórico, de pelo menos dois séculos, em que se acredita que há diferença entre os seres humanos. Alguns fortes, outros fracos, uns mais ambiciosos, outros menos ambiciosos. Isso justificaria a desigualdade social.

Ou seja, qualquer tentativa de correção da desigualdade social acabaria batendo numa intervenção à natureza das pessoas. E, portanto, aqueles que são mais capazes e mais esforçados, numa intervenção dessa, seriam prejudicados em função daqueles que seriam teoricamente, para a direita, mais indolentes, menos ambiciosos e assim por diante.

O pensamento conservador, que está dentro da concepção de direita, tem uma diferença muito grande em relação à extrema direita. O principal autor que vai elaborar, de maneira mais organizada, esse pensamento, é o Edmund Burke, da Inglaterra.

Os conservadores acham que é possível mudar o mundo. Não há problema nenhum em ter reformas. O que eles têm de diferença com a esquerda, por exemplo, além dessa ideia das diferenças sociais gerarem ou legitimarem a desigualdade, é que eles acham que não pode ser de maneira acelerada. Eles acham que aquilo que o tempo testa e gera equilíbrio social, nós não podemos alterar de maneira açodada. Então, eles são contra o pensamento revolucionário e reacionário de extrema-direita por esse motivo.

Agora, o que é extrema-direita? A extrema-direita é uma força de direita que não aceita o contrário. Ao contrário dos conservadores que aceitam a esquerda como adversário. A extrema-direita usa a força e a ameaça da força para poder coibir a oposição aos seus pensamentos.

A extrema-direita é um movimento popular. Não é só de elite. Ao contrário do conservadorismo, eles são populares e mobilizam a sociedade contra seus adversários, que eles consideram, na verdade, inimigos. E terceiro, justamente porque mobilizam a sociedade, eles desconfiam de qualquer poder que não venha do desejo popular, nesse caso o Judiciário. Eles são contra o Judiciário ou fazem oposição porque eles acham que é um poder menor.

Finalmente, eles confundem o líder carismático com o Estado, com o governo e com o partido, criando, portanto, uma espécie de tirania. A extrema-direita vem aumentando seu peso no mundo mais em termos de pensamento do que poder político concreto. Vencer eleição mesmo são alguns países. Não a maioria.

A extrema-direita vem crescendo porque, em primeiro lugar, a esquerda vem abandonando a mobilização social. No Brasil isso é evidente. O PT deixou de fazer trabalho de base, formação popular e deixou de ter um canal direto com os movimentos sociais para tomar decisões. Uma coisa é consultar, a outra coisa é movimento de base, movimento social, sindical fazer parte do processo de tomada de decisão do partido. E isso acontece em vários outros países, como Itália, França e assim por diante.

O segundo motivo é que o mercado de trabalho mudou demais e aumentou a insegurança em relação ao futuro e a própria estabilidade no emprego. Hoje, trabalho party time, que não é a jornada toda, o trabalho por aplicativos, Uberização, os PJs da vida, trabalho remoto, essas várias modalidades destruíram a identidade coletiva do trabalhador que antes trabalhava com milhares de outros trabalhadores na mesma situação que ele. Na mesma fábrica. Agora não, está todo segmentado.

Então a extrema direita trabalha direto com essa frustração e essa quebra da identidade coletiva falando para os indivíduos contra aqueles que estão no poder.

Como em grande parte da Europa e mesmo na América Latina, a esquerda, na verdade, o centro esquerda, social democrata, social liberal, está em grande parte nos governos ou disputam os governos federais com grande peso, a extrema direita diz que essa esquerda ou essa centro esquerda, é responsável pela situação de desigualdade, perda de emprego, crise econômica, porque eles são o governo. Eles são a elite, eles dizem. E aí a extrema direita faz um apelo aos marginalizados ou aqueles que estão perdendo a sua estabilidade, emprego, isso acontece em Portugal, na Alemanha, na Inglaterra e assim por diante, dizendo que eles têm que atacar a elite dos partidos. E o pior é que, de fato, os partidos de centro-esquerda, como é o caso do PT no Brasil, defendem o equilíbrio.

Para quem tem uma vida tranquila, defender o status quo e o equilíbrio, a estabilidade, é uma coisa, mas para quem perdeu emprego, está perdendo os negócios, falar isso é justamente perder a identidade e a confiança dessa base.

Então, numa sociedade em crise, em que nós estamos vendo o Ocidente perder espaço para o Oriente, para China, Rússia, Índia, é evidente que a instabilidade no Ocidente é muito grande. E a falta de perspectiva é como se fosse um caldo de cultura para você jogar uma bactéria lá dentro, que no caso é a extrema direita, fazendo uma série de ilações, prometendo o que não conseguem cumprir, colocando a culpa em todos os projetos progressistas de esquerda e mobilizando as pessoas pelo ódio a conquistar ou reconquistar aquilo que já tiveram.
 

PARA ONDE CAMINHA A SOCIEDADE CAPITALISTA?
Então, o que nós vamos ter é uma exclusão, um individualismo cada vez maior, e, de certa maneira, uma solidão em relação à tentativa de cada um de nós poder se sobressair e ter uma vida melhor. O que eu posso dizer é que o espírito coletivo, a não ser de uma massa muito agressiva e revoltada, mas o espírito solidário, nesse início do século, vem se debelando. Vem se enfraquecendo. E com isso fica mais fácil as grandes corporações conseguirem comandar a vida da gente, como é o caso agora do Twitter, o X. A gente está cada vez mais vulnerável e o pensamento solidário é cada vez menos empolgante.

Além disso, nós temos que entender que nós passamos, recentemente, por um período de grande abalo em relação à própria existência, à segurança na vida e ao futuro, que foi a pandemia no mundo todo. Isso é o que nós temos que ter em mente no mundo em que aumentam as doenças mentais, psicológicas, ansiedade, depressão e que tomam o lugar das doenças mais físicas e relacionadas ao esforço físico.

Então não é bem escravidão. Agora vamos lembrar, em relação à pergunta anterior, que a extrema direita também faz ataques ao capitalismo e a todas as elites. Aliás, foi assim que o fascismo e o nazismo cresceram na Itália e na Alemanha.
 

UMA SOCIEDADE MAIS JUSTA NO SÉCULO XXI É POSSÍVEL?
É evidente que um mundo mais justo e igualitário é possível. Nós já tivemos muitas experiências mundiais, embora não majoritárias, não hegemônicas, que indicaram essa possibilidade.

A utopia é o que move o ser humano. Há muitos estudos que revelam, inclusive arqueológicos, que a superação de agrupamentos pequenos de humanos, superando 150 indivíduos para ir para milhares, se deu a partir, justamente, de rituais que se aproximaram da religião. De um pensamento transmaterial, vamos dizer assim. Mais abstrato. Definido por valores. E aí as pessoas começaram a se agregar e é daí que vai surgir a agricultura. E não o inverso. Não é a agricultura que agrega, mas a utopia.

Então a utopia move os seres humanos. O problema é qual é a utopia a ser construída de uma sociedade mais justa e mais equilibrada, na relação inclusive com o meio ambiente, no século 21. É um século que começa muito atabalhoado com guerras, mudanças de eixo geopolítico, com pandemia, ou seja, com muita insegurança, mudanças tecnológicas profundas, com muita insegurança em relação ao futuro.

E como é que você então estabelece um pensamento utópico de justiça, igualdade, a partir de um cenário tão demolidor como esse que a gente tá vivendo, né? É importante entender que a utopia, embora ela não seja, é mais uma promessa do que uma realidade, ela tem que ter alguma base na realidade, um pé na realidade, para que seja factível, né? E aí convença as pessoas de se envolverem com ele. Foi assim que as grandes religiões se fundamentaram. O budismo, o cristianismo, o islamismo. Todas essas bases religiosas têm um pé na realidade e projetam um futuro não existente. Esse é o nosso dilema. Como num mundo tão fragmentado e conturbado, a gente consegue achar alguma pista para construir uma utopia que seja agregadora, não é?
 

DEVASTAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

Aqui eu sou mais pessimista. Eu acho, quando eu vejo forças de esquerda defenderem a ideia de progresso a qualquer custo, por exemplo, defendendo internacionalmente a ideia de que nós temos que diminuir a dependência do petróleo como matriz energética e, em seguida, colocar recursos do próprio governo para aumentar a produção de petróleo, quando eu vejo isso, fica meio evidente que nós estamos caminhando muito aceleradamente para aquele ponto que não tem volta. Em relação ao aquecimento global, eu acho que nós estamos fadados a entrar num mundo cada vez mais inóspito do ponto de vista da estabilidade e da relação pacífica do ser humano com a natureza.

Nós vamos ter nossos netos, nas próximas gerações, com menos condições de uma vida saudável e segura, do ponto de vista da natureza, do que nós. Nós brincamos demais. Os nossos pais, os nossos avós. Essas três gerações. Brincamos demais com a natureza. Brincamos de ser deuses e eu acho que dificilmente nós vamos ter volta.
 

AS GUERRAS NO MUNDO TÊM A VER COM O AVANÇO DO ÓDIO?
O que nós estamos vivendo agora em termos de ciclo de guerra não tem a ver com a espécie humana, não é um problema ontológico. Senão a gente voltaria para a discussão da essência humana. Se nós somos bons ou maus. E, na verdade, eu fico com Sartre que dizia que o ser humano não tem essência. O ser humano tem existência. Como ele é inteligente, ele define a sua essência. Nós somos responsáveis por sermos bons ou por sermos maus. É uma escolha individual.

Bom, o fato é que as guerras que estão ocorrendo têm relação com a mudança do eixo do império. Toda vez que aconteceu isso, um império deixava de existir e outro estava emergindo, nós tivemos um ciclo de guerra. Mais recentemente tivemos a primeira e a segunda guerras mundiais, que foram precedidas pela crise de 11 impérios que existiam no mundo. Império Austro-Húngaro, Império Otomano e vários outros. E esses impérios, Império Britânico, do Reino Unido, foram substituídos, num ciclo longo de primeira e segunda guerras mundiais, pelo Império Norte-Americano e pela União Soviética, que dividiram o mundo.

Nesse momento, nós estamos vendo a decadência do império Norte-Americano e eles estão fazendo o possível para investir em guerra para se segurar e ter acesso a recursos naturais que eles não precisam. E, do outro lado, a emergência da China. Então o mundo está mudando o polo da hegemonia geopolítica e aí afloram guerras. E, possivelmente, nós teremos outras em que os Estados Unidos vão estar envolvidos e, meio que a espreita ou envolvidas diretamente, a Rússia e a China. É uma disputa pelo controle do planeta.


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